3.8.04

Olhar perdido

Perdidos. Assim estão hoje os meus olhos. Perdidos na insensatez humana, perdidos na fraqueza da carne, perdidos na inconseqüência dos nossos atos, perdidos na intransigência do nosso pensar, perdidos na ignorância do nosso agir, perdidos na incoerência do nosso viver. Perco tudo que eu quero, e todas as minhas esperanças. Passo sobre esse meu mundo um olhar crítico, triste, assim sendo, perdido por causa da perdição.

Sinto lágrimas criarem por baixo de meus olhos, sinto umedecerem minhas pálpebras, finalizando finalmente por ser derramado sobre minha face longas linhas, grandes gotas, pranto salgado, por causa de algo que nunca foi, ou seja, por causa de pessoas que jamais se preocuparam com as outras. Sinto pena, e não ódio, destes seres que jamais poderão ser felizes empunhando a terrível alcunha de ser humano.

Falta-me fé nos homens, falta-me fé nas mulheres, falta-me fé nos humanos. Perdi todas as esperanças na paz. Hoje vejo um mundo insano, vejo pessoas insanas, vejo atitudes insanas, vejo guerras insanas, vejo atitudes mais que insanas, bizarras. Vejo um largo culto à imagem, vejo um grande desprezo pelo interior. Vejo isso com meus olhos hoje tão tristes, perdidos, assim como o mundo a qual pertenço.

Vejo neste momento definições sobre beleza que contradizem a tudo que acredito. Vejo rostos belos esconderem almas pútridas, vejo a beleza física ocultarem desejos e pensamentos não consideráveis aos padrões normais. Vejo um mundo camuflado pela aparente beleza humana. Vejo com isso a perdição do ser humano, uma perdição hoje tão aparente, por isso mesmo comparável à perdição dos meus olhos.

Vejo pessoas clamando por oportunidades. Sinto profunda tristeza por causa dessa nova mentalidade humana, onde nada mais é como antes, e certamente mudará futuramente. Sinto meu olhar ainda mais úmido quando vejo pessoas fazendo barbáries com seus próprios corpos, cedendo-os por minutos parcos de fraco prazer. Aumenta a minha pena desses seres quando vejo jovens tão novos perdendo suas relativas juventudes em bebedeiras, somente para tentar demonstrar um falso amadurecimento. Mostrar enganosa maturidade.

Neste momento me desfaço aos pedaços por causa dos humanos. Sou destroçado cruelmente, destrinchado violentamente por toda a mentalidade errônea contida na consciência humana. Sinto dores lancinantes, sinto o fogo da maldade do homem a queimar a minha alma. Sinto a lâmina afiada da falsidade a me perfurar. Sinto a forte e áspera corda do oportunismo a enlaçar meu pescoço, vindo a tentar me enforcar.

Pois bem, assim estou, triste por causa de um mundo que vê errado. Vê o que não há, assim como o que não deve. Como posso eu acreditar nessas mentiras? Como posso me misturar a essa raça vil? Não, não sou humano. Vejo com outros olhos, melhores que o do rosto, maiores que o do coração: vejo com os olhos da alma, vejo o que nem os homens e nem os sábios vêem. Vejo o ser pelo ser, e não pelo parecer.

Espero que saibam agora por que há perdição em meus olhos: Não há perspectivas, há apenas a coragem de falar tudo isso em frente a todos, pois a verdade não pode ser escondida, e a realidade não pode ser escamoteada. Existe determinação para tentar abrir olhos. Existe sinceridade ao falar nos erros. Existe algo, alguém que foge a este estereotipo. Alguém que acredita nos homens.

Vejo mais que o homem, mais que o lobo, mais que a águia. Vejo pessoas que se preocupam com o outro, mesmo sabendo que nada são para eles. Vejo palavras ditas de abrigo e conselho, mesmo com a negativa do homem em segui-las. Por isso mesmo, e por tudo que há nessa animosidade insana que está contida no sentimento humano, encontra-se soterrado no mais profundo dos poços de trevas o meu olhar. Ele estará para sempre perdido.

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