Na última vez que Daniel observou Samantha, ela chorava compulsivamente enquanto ele se afastava calado, olhar perdido no passado que o feriu e destruiu grande parte de seus sonhos. Fazia cerca de um ano que isso acontecera, e três dias atrás eis que ela liga novamente, pedindo para que ele apareça em sua casa.
Enquanto seguia rumo ao recinto de sua ex-amada, Daniel trazia à memória, automaticamente, toda a história de amor de quase dois anos que desmoronara. Lembra da primeira vez que a viu, e como não acreditou que algo pudesse acontecer entre eles. Com o tempo a conheceu mais, e mais... E sentiu um fogo novo no coração. Aquela mulher que tanto insistia com ele começava a ganhar um lugar cativo dentro do seu peito. Lembra quando a encontrou pela primeira vez, e como nenhum toque ou beijo trocaram exceto um terno beijo nas bochechas ao fim, quando a levou até o ponto de ônibus para voltar pra casa.
Lembrava ele das longas conversas por telefone, que diversas vezes varava a madrugada, e das palavras de saudade e querer que ela costumava dizer. Recordou quando Samantha disse que não o queria só como amigo. “Eu te quero junto de mim”, ela disse certo dia, antes de desferir o primeiro beijo em seus lábios, beijo de desejo e vontade, e de tal forma que os minutos tornaram-se horas, e um simples segundo transfigurara-se em uma doce eternidade de amor.
Conforme prosseguia naquele caminho que tantas lembranças lhe traziam, Daniel assistia impassível ao filme que estava sendo projetado em sua mente. As saídas eram maravilhosas, e a presença, inigualável. E por cerca de onze meses foi assim. Contudo, algo acontecera.
Ela mudou. Da princesa presente, pouco se lembrava. Parecia que em seu lugar fora colocado uma namorada fria e desinteressada. Muitas vezes ele ligava pra ela e ela não atendia o telefone. Muitas vezes queria estar com ela, mas Samantha sempre tinha alguma coisa que a ocupava. Não era mais aquele amor, não da parte dela. Daniel nunca se esqueceu que seu amor era legítimo e verdadeiro, tanto que estudou a possibilidade de se casar com ela. Mas ela o via com certa reserva. Entretanto, seu ciúme era constante e Samantha fechava o semblante sempre que qualquer mulher chegava perto dele. Suspeito demais.
Daniel deu um longo suspiro quando trouxe à memória o dia em que ele descobriu que não era o único na vida da Samantha. Quando descobrira que ela tinha outros casos, um ex-colega da faculdade, um ex-colega de colégio, um rapaz da academia... E ele era apenas o “oficial”, o que era apresentado na família como namorado. Contudo, era mais um na vida dela. Era o “corno”. Fiel sempre, deixara para trás pessoas que sonhavam com relacionamentos verdadeiros e duradouros para se embrenhar nessa trama que se revelara depois como macabra.
Lembrava mais ainda Daniel quando marcou de conversar com ela na beira da praia. Ela, no início, não quis ir, mas ele disse a Samantha que era muito importante, o que a fez dirigir-se para lá, a contragosto. Lembra quando ela chegou, reclamando do vento e do sol que estava sobre ela. Logo ela, que várias vezes sentara à beira da praia com ele sentindo a brisa do entardecer, observando o pôr-do-sol no infinito azul do mar aberto, junto com frases como “eu te amo” e “quero estar contigo para sempre”.
Ah! Como brilhavam os olhos de Daniel, brilho provocado pelas micro partículas de lágrimas que queria brotar em seus olhos quando reviveu o momento da revelação. O olhar assustado da Samantha, as palavras calmas e decididas ditar por ele, traído, enganado, porém envolto em uma estranha camada de tranqüilidade. Lembrava quando disse a ela que tudo acabava por culpa dela, por não saber cuidar de um amor. Quando disse a ela que era infiel, mentirosa, perdida para o mundo, pois enquanto dizia amar uma pessoa vivia relacionamentos tórridos e físicos com outros homens, quantos eram? Seis, sete, dez, vinte? Lembra finalmente quando, lágrima nos olhos, disse pra ela “acabou para sempre, para todo o sempre”. E quando virou as costas, rememorou a primeira lembrança que tivera naquela caminhada.
Agora ele já via o portão dela, e curiosamente ela estava lá, esperando-o. Ao observá-lo chegar, ela abriu um sorriso tão bonito que por quase um segundo ele se esquecera de tudo o que passou, tamanha a beleza que havia. Mas recobrou-se e prosseguiu. Ela correu até ele e o abraçou. Ele retribuiu, mas de forma mais fria. Ela o convidou a entrar, e Daniel aceitou, sentando-se no sofá onde tantos beijos foram trocados.
Quando Samantha chegou na sala com dois copos de suco na mão, Daniel sequer deixou-a sentar, perguntando logo “qual o motivo dessa conversa?”. Ela sorriu, e sentando-se ao lado dele, segurou sua mão e o observou com um olhar tão terno que seu coração apertou, palpitando furiosamente dentro de seu peito. Suas mãos macias, seu perfume inebriante, sua presença em si o perturbava. Tanto que calado ficara, sem conseguir falar sequer uma palavra.
Mas três palavras fizeram com que Daniel retornasse à realidade: “Estou com AIDS”, ela disse. Ele arregalou os olhos e Samantha, novamente com seu sorriso único, apertou as suas mãos e disse “não sei a quanto tempo tenho isso, mas acho que é da época que namorávamos”. Pronto, agora ele poderia estar com AIDS também. “Além de corno, agora posso ser aidético”, dizia a sua mente, mas seu coração dizia para ele ouvir o que Samantha tinha a lhe falar. “Quero pedir pra você fazer um exame, e que abrisse o resultado junto comigo. Faria isso por mim?”. “Sim” foi a resposta monossilábica de Daniel, que se levantou e se despediu, indo naquele mesmo momento a uma clínica para fazer o exame completo.
Duas semanas depois, com o resultado em mãos, ele chega com o papel na casa da Samantha. Ela novamente sorriu e o abraçou com ainda mais vontade. Entrando na casa, ela abriu para Daniel o exame, pois ele disse que não tinha coragem de observar. Ela abre, lê, abre um sorriso largo e começa a chorar. “Negativo! Negativo, Daniel”, grita sem conter o sorriso e as lágrimas, numa antítese de sentimentos. Ela ainda tinha algo a lhe dizer, e ele queria ouvir. Calado, ouviu suas palavras firmes:
- Daniel, você sempre foi o amor da minha vida. Eu te amei como jamais amei alguém. Mas eu me sentia muito carente, e muitas pessoas apareciam nesse momento para me consolar, e instintivamente eu deixava as coisas acontecerem. Confesso, não era forte. Muitas vezes terminei na cama de outros homens inda no primeiro encontro. Sim, fui tola, fui inocente por acreditar em amizades que jamais existiram, era só o desejo de me possuir, e o pior, eu queria isso, e deixava isso acontecer. Quando você me deixou eu observei o quanto tinha sido burra por perder a pessoa que me amava de verdade, e mais, a pessoa que eu amava e que me completava, me fazia feliz. Eu te amo, Daniel, e mesmo sabendo que hoje estamos impossibilitados de estar juntos, ainda te amarei para sempre. Estou pagando pelos meus pecados, e sofrendo pelos meus erros. Mas você me ensinou a amar e ser amada de verdade. Obrigado, Daniel, por tudo. Se pudéssemos voltar no tempo, estaria contigo. Mas o tempo é cruel e não volta mais. Nunca mais – disse ela, em meio às lágrimas – mas por favor, não se distancie de mim!
Daniel chorou também, a abraçou e disse “vou cuidar de você”. E assim foi.
Daniel caminhava em meio às árvores, três anos depois, lembrando dessa palavra que empregara a Samantha. Traje impecável, ele observava os pássaros cantando. Sim, sua palavra tinha sido cumprida, e havia cuidado dela. Observando as lápides em volta do estranho bosque que existia dentro do cemitério, recordava das últimas palavras que Samantha lhe dissera: “Eu te amo pelo que você é. Sempre te amarei”.
Ele seguia em frente, de mãos dadas com um pequeno menino de dois anos, saudável e perfeito, que perguntava a ele “Papai, onde mamãe vai ficar?”, o qual ele apenas respondeu:
- Mamãe está dormindo, mas no último dia nós a veremos novamente, meu filho. Ela te amou e esse amor nunca vai morrer.
E assim Daniel e o pequeno Filipe prosseguiram sua caminhada, com a certeza que o amor verdadeiro jamais perecerá.
Um comentário:
Bem legal... Se esse texto é seu mesmo, ti digo parabéns, você é bom...
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