Quando era criança, Válter ficava observando o horizonte na beira da praia. Vislumbrava o bravio mar, suas ondas e tudo o mais. Pensava que, quando crescesse, se tornaria marinheiro e desbravaria todos os cantos desse mundão de água existente.
Válter sonhava com proezas heróicas, com damas indefesas e piratas malvados. Pensamento infantil, porém tônica de seus pensamenntos. De muitos amigos, adorava brincar na praia. Nunca na areia, mas sim na água. Um peixe que navegava pela orla do mar.
Mas o tempo passa, e depois de homem Válter voltou à beira do mar, na mesma praia da sua mocidade, anos após a última vez que lá estivera. Os olhos são os mesmos, mas o brilho mudou. As faíscas de seus sonhos deram lugar ao obscuro da visão cansada com a vida. As histórias passam, mas a pessoa ainda é a mesma. Mas ele estava lá, inerte, no mesmo ponto onde a espuma das ondas apenas molhavam os dedos do pé.
Realmente, sua vida não fora como sonhava. De marinheiro se tornara Administrador; Ao invés de desbravar os mares, salvando donzelas e lutando contra piratas, Válter havia se tornado um burocrata, salvando requerimentos e lutando contra falcatruas dentro da empresa de médio porte onde trabalhava. Os sonhos deram lugar a uma vida insossa. A vida de liberdade fora embora, e em seu lugar um turbilhão de sentimentos destruíra aquilo que o fazia sorrir.
Muitas foram as vezes que o amor tomara de assalto seu coração. Paixões fulminantes, Válter tinha o incrível dom de aproximar as mulheres para si. Mas era incrível, sempre alguma coisa dava errado... E aquilo que parecia começar bem, acabava por terminar mal. E ele ficava sozinho. E a cada dor, um pouco mais do brilho dos seus olhos se perdia na imensidão do vazio que começava a habitar seu peito.
Suzana... Seu primeiro relacionamento, aos dezessete anos... Carinhosa, bonita, simpática, mas ele, burro e infantil, não soube dar valor a isso. No final, ela terminou com ele e no mesmo dia "ficou" com seu melhor amigo, na sua frente. Golpe duro...
Brenda... Aos vinte e um anos, uma mulher mais madura, dois anos mais velha que ele. Começara de forma fugaz... Sexo selvagem, ensinava o pobre menino a ser homem às vistas da visão do mundo... Mas o tempo passara, pouco tempo, cerca de dez dias, e ela simplesmente o despachou. Fora usado como um boneco sexual. Algo que se usa e depois joga fora. Outra pancada violenta dentro do seu coração.
Apenas uma nova tentativa foi feita, Karine foi o nome daquele relacionamento de nove anos. Um relacionamento conturbado. Ele gostava de verdade dela, mas ela não o valorizava muito. Ele planejava saídas, corria atrás de coisas para surpreendê-la... Mas ela muitas vezes jogava um balde de água fria em suas intenções abortando-as antes mesmo de nascer.
Karine, apesar disso, foi quem correu atrás desse amor. Ela que buscou a Válter, ela se entregou a Válter, queria estar com ele todos os dias... Ele, que tanto sofrera por causa do amor, acreditava que ela era a pessoa perfeita, que tudo ia dar certo... Mas foram poucos meses assim, e depois que ela notou que ele estava completamente entregue a esse relacionamento, começou a desdenhá-lo. Parecia até que o desafio era conquistá-lo, e queria ver onde mais ele chegaria.
Não foram poucas as vezes que ele soube que ela o traíra. Mas ele, fiel, permanecia com ela, a perdoava quando esta lhe pedia perdão, e buscava meios de ajudá-la. Como um cego tolo, lutava contra aquilo que não existia, e sangrava pela dor que podia abrir mão. Mas mesmo os bons corações um dia se cansam de lutar.
Cansado da forma com a qual Karine guiava o relacionamento, pensando apenas em si, sem o "nós" que deveria ter, chegava na casa dela, onde ela conversava com um homem. Conversa animada que logo murchou quando ele chegou. Mas ele nem insistiu. Viu o clima e saiu.
Instantes depois Karine veio atrás dele falando "ué, foi embora por quê?", cuja resposta foi surpreendente:
- Quer saber? Mas quer saber mesmo? Cansei de ser o palhaço. Quer viver sua vida? Vai viver, mas sozinha. Já sei que não ocnta comigo mesmo, então vai pras suas festas, pras suas farras, e me deixe sozinho!!!
Atônita. Assim Karine ficou enquanto Válter ia embora, sorriso de alívio no rosto. Finalmente ele havia tomado uma atitude, e mesmo que o tempo tenha cobrado um alto preço, ao menos havia feito finalmente algo certo na vida.
Agora ele observava o horizonte do mar. Aos trinta e seis anos, sentia que a solidão era apenas um estado de espírito. Sabia que havia quem o preenchesse, Deus. E sorria por isso.
- Sabe, Senhor? O caminho que separaste pra mim é perfeito. Sei que Seu tempo é perfeito, Senhor. E se tiver que ficar sozinho... Não estarei só, o Senhor está comigo.
Válter ainda falaria mais, se um guarda-sol não acertasse suas costas. Ajeitando-se, pegou o guarda-chuva (sorte que só a lona o acertou), e olhando pra trás quase deu de cara com uma moça desesperada, que corria atrás do referido corta-sol:
- Ai, mil desculpas! Fui encaixar mas um vento forte veio e ele voou... Você está bem?
Com um sorriso e um aceno de cabeça Válter respondeu que sim. Ele observara a bela moça que se aproximara, toda sem graça. Olhos vivos, corpo esguio, sorriso perfeito. Válter se levantou, estendeu a mão e disse:
- Oi, antes que eu me esqueça, meu nome é Válter, e o seu?
- Roberta - Respondeu a moça.
Assim, saíram ambos conversando e caminhando.
Talvez, quem sabe? Deus tenha reescrito a história de felicidade dele...
O tempo de Deus, pedido por Válter, vai dizer.
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