21.7.07

Decepções, Revoltas e Arrependimentos Femininos (Crônica)

A alegria de estar com quem sempre quis estar. Por tanto tempo ela desejara aquele rapaz, e agora ela podia dizer que ele estava contigo. Era um desejo sincero, realmente forte, o qual sempre combatera, mas foi mais forte. E daí? O desejo se tornou realidade. Naquela noite, ele era dela, e se dependesse dela, somente dela.

Era um desejo íntimo. Por quase três anos, ela se insinuara, mandara bilhetes, até ter coragem de, naquela festa, declarar-se para ele. Isso depois de beber algumas doses de alcool, para ter coragem. Afinal, ela sabia que sua timidez iria impedi-la, e mesmo sabedora que quem tem que falar com a mulher é o homem, aceitara livremente a inversão de papéis, e assim o enlaçou.

Ela sempre ouvira dizer que ele beijava bem. Pôde, enfim, ter a prova, e que prova! O seu fôlego faltava, tamanha a animosidade dos lábios se entrelaçando. Seu corpo tremia, buscava a cada instante seus braços, seu corpo, era real, era real! Num momento repentino, sentiu-se a menina mais feliz do mundo, ao alto de seus 19 anos. Sim, menina, pois ainda era pura. Tempos que hoje se lembra com extrema doçura.

Rapidamente, sem ao menos reparar como, já estava em frente à casa dele. Os beijos não cessavam. Cada vez mais entregue, adentrou à residência aos beijos e afagos cada vez mais íntimos. Em menos de um instante, já estava sobre a cama dele, seminua, começando os preparativos para uma estréia desejada. Sim, ela havia o escolhido para ser o primeiro. Novamente, ao ver-se, estava nua. A noite iria apenas começar. Mas...

Nada foi como planejara. A brutalidade dele logo desfez o sonho, e a fez se depara com a realidade. Tal como uma posta de carne, fora consumida ávidamente, sem carinho nem delicadeza. O amor que ela acreditara fazer brotar em seu coração nunca existira. Era apenas desejo, desejo sexual visível e incontrolável. Ele agia por impulso, estava se deliciando com aquela situação, subjugando-a completamente. Quanto ela pensara que mudaria, viu que era para pior. Encaixando-se atrás dela, mostrou-a a verdadeira tradução da dor. Tal que desmaiou.

Acordando (desta vez de verdade), viu que o rapaz, aquele rapaz que por tanto tempo desejara, ele a possuía sem amor, só por desejo. Sim, o sonho era um pesadelo. E, quando fez menção de desistir, apenas um urro a fez desistir. Ele chegara ao orgasmo dentro dela. Agora era tarde. Agora sim, o pesadelo estava consumado. Não tinha mais como voltar atrás.

Aos prantos, foi dispensada da casa dele. Entrara em uma lista, na lista dolorosa das "vítimas" de alguém que tem como único objetivo o prazer sexual. Fora utilizada, tal como uma prostituta, para fins sexuais, sem carinho nem amor, apenas desejo, muito desejo. Mas nem dinheiro ganhara. Apenas decepção, e um profundo arrependimento. Lembrou-se de sua mãe, que sempre a alertou para esse tipo de pessoa. De seu pai, que não aceitaria tal atitude. Viu seu mundo ruir. E ruiu.

Dá dó ver seus olhos hoje. A tristeza se estampa em seu semblante, cansada após um noite árdua trabalhando em uma empresa miserável. Ganha tostões para sustentar sua filha, fruto da pior noite de sua vida. Sempre que passa a lembrança da sua mãe chorando, e de seu pai a expulsando de casa após saber da notícia, ela chora. Todos os planos que fizera, todos os sonhos que sonhara, tudo morrera em uma atitude tão desejada quanto errada. Revolta-se quando lembra que o pai se recusou a reconhecer a criança. E, sem lar e sem dinheiro para um exame de DNA, ficou reclusa por quase um ano na rua, inclusive tendo sua filha durante essa dura estada.

A sorte, porém, havia lhe sorrido, quando recebeu a proposta para trabalhar em uma empresa de peixes enlatados. Mas era árduo, pois tinha que retirar vísceras por 12, 16 horas diárias. Todos os dias, sem feriado ou fim de semana. Mas tinha um teto, e podia reencontrar sua dignidade. Sua mãe a visitava aos domingos, quando trabalhava apenas um período, e com elas notícias sobre o mundo. A mãe fazia questão de ver a neta que o pai odiava. Via a criança como o motivo da destruição da filha. Fardo duro para ser carregado por uma criança de apenas seis anos. Fardo o qual ela nunca pediu para carregar.

A vida era uma quimera. Mistura de dor e superação, ela guarda até hoje a esperança de reconstruir seu futuro. E trabalha pra isso, pois sabe o caminho que tem que caminhar. Amanhã, deseja ela, sua filha viverá uma vida maior que ela sonhara pra si. Grande pelas adversidades que vive, honrada e justa. E sem cometer os erros da mãe, sem os desejos que destroem uma vida.

Cresce, assim, a filha da perseverança. Que pode um dia ser de qualquer um de nós.

Basta errar.

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